"As palavras tem o poder de prever tudo que vem na semana seguinte".
Todo o encanto se perdeu no momento em que Elza a governanta apareceu no vão das cercas vivas que desenhavam a entrada do jardim anunciando que era hora do jantar. Este era o seu jeito de me atrapalhar na maior parte das minhas tarefas, sempre com seu ar de compromisso e responsabilidade que deixava todos aborrecidos.
Assim seguimos, Amélia para um lado acompanhada por Elza que queria assegurar-se de que ela iria se aprontar para o jantar e eu para o outro onde iria demorar-me em um banho refletindo sobre os últimos acontecimentos. Eu nem imaginava de onde viera à coragem para realizar tais atos, beijá-la em meio ao jardim? Ali onde qualquer um poderia chegar a qualquer momento sem ser notado? Assim como Elza chegou a pouco, poderia ter chego momentos antes e flagrado nosso beijo. De qualquer forma eu faria tudo do mesmo jeito ou melhoraria em alguns aspectos.
Quando cheguei à sala de jantar o Sr. Osmar (este era o pai de Amélia) já estava à mesa, sentado na sua grande cadeira que ficava disposta numa das pontas da grande mesa esculpida em Carvalho-roble. A mesa era extensa e tinha doze lugares, sendo duas cadeiras posicionadas em cada ponta e as outras dez posicionadas cinco em cada lado da mesa. Elza sentava-se a uma cadeira de distancia do patrão, mais por nada nesse mundo conseguia esconder sua vontade de ocupar a cadeira da outra ponta que era o lugar que a esposa do Sr. Osmar ocupava quando viva. Ela faleceu ainda no auge da idade, com vinte e oito anos apenas, quando teve uma forte pneumonia. Amélia sentava-se na primeira cadeira a esquerda do pai e quando cheguei já estava lá conversando algo muito aflita e empolgada.
Sentei-me a uma cadeira dela e então foi ordenado que servissem o jantar.
Outono no Jardim Nublado - Parte II - Por Dustin Maia
Quarta-Feira, 28 de Abril de algum ano que se perdeu.
Não sei se te abandonar foi o melhor a fazer, porém, fiz. E sem lamentos eu te digo: Veja a imensidão de possibilidades que nasceu do nosso fim, aprecie a continuidade conquistada pelo ponto final.
Eu já nem era feliz e suas duvidas me desmontavam cada dia mais. Sem lamentos eu declaro: Hoje eu vou viver como se fosse a ultima vez! Faça o mesmo, não se acanhe, o mundo é dos que sabem sorrir para as imperfeições. Eu te perdôo pelas mentiras, pelas desculpas, pelo ciúme, só não perdôo a solidão. Seja feliz, sorria, ame, dance e aproveite todos os momentos bons que a vida possa te proporcionar. Eu não irei ao seu casamento, nem a sua festa de aniversário, certamente não visitarei essa parte da família, porque hoje eu te deixei pra sempre.
Domingo, 4 de Abril de algum ano que se perdeu.
Não se sabe explicar exatamente o que aconteceu naquele dia, era uma tarde bela, Amélia e eu tomávamos o chá como de costume e tudo parecia correr bem. Por volta das 15:30h adentramos no jardim, um belo jardim rodeado por cercas vivas e decorado por variados tipos de rosas, dois bancos brancos de madeira fixados no piso de pedra e dispostos em torno do chafariz que era visivelmente disposto no centro do jardim, tudo organizado como que por um desenho num papel quadriculado onde se contam os espaços onde se encaixam cada objeto.
Sentamos no banco que dava de frente para a entrada do jardim e começamos a conversar como de costume, tudo parecia normal para olhos normais, mais meus olhos no quesito Amélia eram observadores e furtivos. Nada me escapava um suspiro, um sorriso, uma lágrima... Nada! E naquela tarde em especial ela parecia distante, secreta, eu enrolei por volta de meia hora até questionar o porquê daquela expressão fadigada. E quando finalmente questionei obtive como resposta uma Amélia desaguando em lágrimas, chorava e chorava e seu choro era acompanhado por soluços disparados que não podiam ser contidos.
– Amélia o que houve? Amélia? Pare de chorar Amélia, o que foi?
– Não sei se devo dizer, creio que não posso lhe contar, não vou conseguir.
– Ah Amélia, pelo menos tente, não sabe o quanto me dói ver você nesse estado. O que pode ser tão ruim?
– Hoje meu pai chamou-me para uma conversa em particular. Ele me disse que ainda no fim deste mês eu viajarei para a Europa onde ficarei por três anos no colégio de artes. Eu disse a ele que não quero, juro que disse mais ele quer que eu vá de qualquer jeito.
Pode-se ver em meu rosto uma expressão estranha que misturava tristeza, palidez e desilusão. Ao mesmo tempo em que eu calculava alternativas seguras de lhe dar com tal situação meu peito acelerava de uma forma incontrolável e aterrorizante, minha face se contraia dando forma aquela expressão mista e bagunçada e quando dei por mim, todo o horror e angustia haviam desaparecido, naquele instante só havia o jardim, os bancos, o chafariz, Amélia e eu que completava o quadro perfeito de um beijo não calculado. Reação? Se á esperasse de Amélia, ficaríamos ali para sempre. Ao me dar conta de que meus lábios tocavam os dela abri os olhos e notei os seus olhos estatelados de espanto, então corei.
Demos as costas um para o outro como quem comete um crime e se envergonha, porém esta ocasião só durou dois minutos que era tempo o suficiente para se recompor. Tomei fôlego e me virei, peito cheio de ar, dei de cara com a doce Amélia já a esperar por um beijo mais voraz do que um encostar de lábios. Era mágico, era espetacular!
Outono no Jardim Nublado - Parte I - Por Dustin Maia.